Críticas

O Palhaço

 O espectador talvez não tenha percebido, mas se dá no cinema brasileiro uma corrida do ouro. O 'ouro' neste caso é o equilíbrio entre estética e audiência. Caminhando sossegado entre o cinema, a tevê e a publicidade, Selton Mello parece empenhado em fazer filmes esteticamente sofisticados que atendam às temidas "demandas de mercado".
O palhaço é um drama vaudevilliano sobre uma trupe  circense liderada por dois palhaços, pai e filho. Em excursão pelas profundezas do interior do Brasil, o Circo Esperança sobrevive do pouco que arrecada nas bilheterias e da boa e velha hospitalidade interiorana. Benjamim Savala (uma sutil homenagem ao palhaço Carequinha) vê, cidade após cidade, crescer sua insatisfação com a vida errante do circo. Sem identidade, ele carrega uma certidão de nascimento velha e amarelada, única prova de que ele é quem acredita ser; estóico tal e qual Peter Sellers em Muito Além do Jardim (1980), ele já não vê mais graça nem nas próprias palhaçadas. "Quem é que me faz rir?" repete ele ao longo de todo o filme.
  A trupe segue rumo e Benjamim decide ir em outra direção. A vida segue, ele finalmente consegue ter uma identidade, um endereço, um emprego. Não demora quase nada ele descobre que se viver com o circo não o permitia criar raízes, se apaixonar, ter uma família, alguém que o faça rir, admitir a rotina casa-trabalho-casa também não o faria feliz.
 O final (feliz) de O Palhaço nos faz voltar à corrida pela fórmula secreta que combine sofisticação estético-narrativa e apelo popular. Selton Mello, apesar dos flagrantes tropeços da metade para o final de seu filme, se mantém no pelotão da frente. Seu projetos anteriores - Quando o tempo cair, curta metragem de 2005 e o longa Feliz Natal (2008) - prometiam um diretor ávido por fazer cinema autoral com densidade. As "demandas de mercado" não lidam bem com essa 'coisa' de cinema de autor.


Filipe Quintans, do Jornal do Brasil.